Chegava-se, nessa época, a Linhares da Beira por uma estrada, incógnita e irregular, de terra batida. Encontrava-se, talvez, mais por acaso do que por conhecimento.
A solidez vagamente inesperada das muralhas do castelo, realçava a humildade do casario.
Rapidamente nos víamos rodeados pelos rostos da catraiada.
Revejo agora estas caras, perdidas algures entre o boçal e o angélico, e questiono-me o que terá a vida feito destas crianças.
Homens e mulheres medrosos não serão certamente, que para vingar em paragens tão inóspitas era obrigatório ser de boa cepa...
Povo, que tão mal te tratam, onde te escondes?
Onde guardas as tuas forquilhas e estadulhos, onde deixas repousar os teus cajados e varapaus?
Oiço eu o entoar do clarim, ou será já e apenas a alucinação de ouvidos moucos?
Vislumbro eu uma luz de esperança, ou será somente o ardor da cegueira colectiva?
Pressinto eu o frémito da revolta nascente, ou será únicamente o ressonar da besta apática?
Do nosso intelecto escorre, agora, uma verborreia tão informe como inútil, baba fétida que as nossas bocas vomitam num balbuciar desconexo e inofensivo.
Que falta fazem a este país, vozes da estirpe de um Alves Redol, seres com a dimensão e integridade de espírito, e de actos!, de um Aquilino Ribeiro ou de um Miguel Torga!
Nas nossas veias e nos nossos testículos, flui um líquidozinho ridículo, pálido e anémico, sem vigor...
Minolta XM, Kodak Ektachrome, 1978
"Vampiros" - José Afonso
No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas pela noite calada
Vêm em bandos com pés de veludo
Chupar o sangue fresco da manada.
Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada.
A toda a parte chegam os vampiros
Poisam nos prédios, poisam nas calçadas
Trazem no ventre despojos antigos
Mas nada os prende às vidas acabadas.
São os mordomos do universo todo
Senhores à força, mandadores sem lei
Enchem as tulhas, bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei.
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada.
No chão do medo tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada.
Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada.
..
Excelente.
ReplyDeletefotos fabulosas, aguardo mais...sempre!!!
ReplyDeleteObrigado a ambos.
ReplyDeleteOs vossos comentários dão-me coragem para continuar.
Às vezes é tão difícil...
Abraço,
Rui
Meus parabéns,belo trabalho muito bem escrito,como filho da terra o meu bem hajam.
ReplyDeleteAlfredo Gomes
Caro Alfredo,
ReplyDeletetal elogio por parte de um filho da terra só me pode fazer sentir orgulhoso...
Aprecio muito essa região.
Tenho, aliás, algumas ténues raízes por essas bandas, pois os avós da minha mãe eram de Vila Cortês da Serra.
Lembro-me de passar férias, em míudo, a brincar junto da ribeira. Infelizmente, a casa deles, da última vez que a vi, não era mais do que um lamentável monte de pedras em ruínas. Tudo se perde, tudo se transforma...
Um abraço e as minhas saúdades a terras tão portuguesas, tão autênticas,
Rui