Oct 28, 2010

Era uma vez um país... (Linhares da Beira, Fevereiro de 1978)

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Já venho de outros tempos, em que a pequeneza dos lugares lhes conferia uma vivência diferente e distinta.


Chegava-se, nessa época, a Linhares da Beira por uma estrada, incógnita e irregular, de terra batida. Encontrava-se, talvez, mais por acaso do que por conhecimento.

A solidez vagamente inesperada das muralhas do castelo, realçava a humildade do casario.

Rapidamente nos víamos rodeados pelos rostos da catraiada.




Revejo agora estas caras, perdidas algures entre o boçal e o angélico, e questiono-me o que terá a vida feito destas crianças.

Homens e mulheres medrosos não serão certamente, que para vingar em paragens tão inóspitas era obrigatório ser de boa cepa...




Povo, que tão mal te tratam, onde te escondes?

Onde guardas as tuas forquilhas e estadulhos, onde deixas repousar os teus cajados e varapaus?

Oiço eu o entoar do clarim, ou será já e apenas a alucinação de ouvidos moucos?

Vislumbro eu uma luz de esperança, ou será somente o ardor da cegueira colectiva?

Pressinto eu o frémito da revolta nascente, ou será únicamente o ressonar da besta apática?





Do nosso intelecto escorre, agora, uma verborreia tão informe como inútil, baba fétida que as nossas bocas vomitam num balbuciar desconexo e inofensivo.

Que falta fazem a este país, vozes da estirpe de um Alves Redol, seres com a dimensão e integridade de espírito, e de actos!, de um Aquilino Ribeiro ou de um Miguel Torga!


Nas nossas veias e nos nossos testículos, flui um líquidozinho ridículo, pálido e anémico, sem vigor...



Minolta XM, Kodak Ektachrome, 1978




"Vampiros" - José Afonso


No céu cinzento sob o astro mudo

Batendo as asas pela noite calada

Vêm em bandos com pés de veludo

Chupar o sangue fresco da manada.


Se alguém se engana com seu ar sisudo

E lhes franqueia as portas à chegada

Eles comem tudo, eles comem tudo

Eles comem tudo e não deixam nada.


A toda a parte chegam os vampiros

Poisam nos prédios, poisam nas calçadas

Trazem no ventre despojos antigos

Mas nada os prende às vidas acabadas.


São os mordomos do universo todo

Senhores à força, mandadores sem lei

Enchem as tulhas, bebem vinho novo

Dançam a ronda no pinhal do rei.


Eles comem tudo, eles comem tudo

Eles comem tudo e não deixam nada.


No chão do medo tombam os vencidos

Ouvem-se os gritos na noite abafada

Jazem nos fossos vítimas dum credo

E não se esgota o sangue da manada.


Se alguém se engana com seu ar sisudo

E lhes franqueia as portas à chegada

Eles comem tudo, eles comem tudo

Eles comem tudo e não deixam nada.

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